A ferrugem asiática pode levar a perdas de até 90% na soja

O genoma altamente complexo do fungo P. pachyrhizi causador da mais devastadora doença da soja foi decifrado por um consórcio único de empresas públicas e privadas

A ferrugem asiática da soja, causada pelo fungo obrigatório Phakopsora pachyrhizi, é o principal desafio para os produtores de soja, especialmente na América Latina, onde são produzidas aproximadamente 192 milhões de toneladas (USDA, 2019), representando um valor bruto de produção de US $ 61,4 bilhões por ano (CONAB, 2019).

Esta doença devastadora pode levar a perdas de até 90%, se não for controlada. Os custos de manejo para os agricultores excedem US $ 2 bilhões por safra somente no Brasil. O patógeno é capaz de adaptar às estratégias de controle, de modo que o número de soluções práticas para o controle da doença é limitado. Para acelerar a inovação, desenvolver novas características e descobrir novos modos de ação contra P. pachyrhizi, a disponibilidade de um genoma de referência de alta qualidade é essencial. Isso não tinha sido alcançado até o momento por causa do tamanho e complexidade do genoma desse patógeno que dificultava sua caracterização pelas técnicas tradicionais de sequenciamento.

Para enfrentar esse desafio foi estabelecido um consórcio internacional único, representando 12 instituições públicas e privadas. Este esforço conjunto congrega a Fundação 2Blades, a Bayer, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), as Universidade Alemãs de Hohenheim e de RWTH Aachen, o Instituto Nacional da Pesquisa Agronômica (INRA-França) e a Universidade de Lorraine (França), além do Joint Genome Institute (JGI, EUA), da KeyGene, do Laboratório Sainsbury (Reino Unido), da Syngenta e a Universidade Federal de Viçosa (Brasil).

Hoje, esse consórcio anuncia a conclusão do sequenciamento e montagem não apenas do genoma de um, mas de três isolados de P. pachyrhizi. Um conjunto de tecnologias de sequenciamento de última geração foi usado para fornecer leituras de fragmentos de DNA pequenos (Illumina) ou longos (PacBio). Para um dos isolados, o consórcio se beneficiou da experiência do JGI no âmbito do Programa de Ciência para a Comunidade.

Para outro isolado, a KeyGene disponibilizou sem custos sua mais recente plataforma de sequenciamento de leitura longa, Promethion da Oxford Nanopore, ermitindo uma montagem de elevada qualidade. Isso resultou em uma redução de 10 vezes no número de segmentos montados (scaffolds) para este isolado e em uma montagem em nível de cromossomo. Para um terceiro isolado, importantes contribuições em bioinformática foram fornecidas pela Syngenta.

Todas essas novas tecnologias foram fundamentais para o sucesso da iniciativa de desvendar a natureza complexa do seu genoma. Além disso, o JGI está fornecendo a sua plataforma para hospedar e disponibilizar publicamente esses recursos genômicos para toda a comunidade científica. Todos os dados estão disponíveis para a comunidade científica no link https://mycocosm.jgi.doe.gov/Phapa1.

A montagem do genoma de referência de P. pachyrhizi abrange 1,057 Gb, representando um dos maiores genomas entre fungos e, de fato, patógenos vegetais em geral. O sequenciamento revelou que o genoma é extremamente rico em sequências repetitivas e DNA não codificante, constituindo aproximadamente 90% de todas as sequências.

O genoma também abriga várias famílias de transposons, elementos que podem permitir que o patógeno se adapte rapidamente a novos ambientes. Apesar de seu tamanho, o número de genes preditos em seu genoma é de cerca de 20.700, o que é semelhante ao número encontrado em outros fungos da ferrugem.

Para entender melhor quais partes do genoma estão ativas nos vários estágios do ciclo de vida do fungo, o consórcio também gerou um atlas de expressão (transcriptoma) de todas as estruturas fúngicas em diferentes estágios de infecção do patógeno. Esse conhecimento contribuirá para melhorar a anotação e ampliar o conhecimento dos mecanismos moleculares explorados por P. pachyrhizi durante a infecção pela soja.

Com o sequenciamento completo do genoma de P. pachyrhizi, substanciado pela análise da expressão gênica e ressequenciamento de isolados, o consórcio espera alavancar essas informações com a comunidade científica para decifrar a biologia do fungo e entender, no nível molecular, a sua complexa interação com a soja.

A conclusão do sequenciamento e montagem do genoma do fungo de uma maneira inovadora e aberta é uma ótima notícia para toda a comunidade científica. Isso ampliará o entendimento da adaptabilidade, evolução e diversidade genética de P. pachyrhizi, abrindo caminho para estratégias baseadas nesse conhecimento para o controle da ferrugem asiática na soja, afirmou a pesquisadora da Embrapa, Francismar C. Marcelino-Guimarães.