Terraceamento: prática antiga de conservação do solo controla erosão

Construídos entre as décadas de 1970 e 1990, como única técnica agrícola de conservação dos solos, os terraços foram, até então, desmontados porque dificultavam a operação das máquinas nas lavouras. Agora, uma nova metodologia da Epagri traz de volta essa prática, mais atualizada

Controlar a erosão e promover o armazenamento da água no solo para atender às demanda das culturas agrícolas são apenas algumas das vantagens do terraceamento –  uma prática de conservação dos solos que a Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado de Santa Catarina (Epagri) está retomando no Oeste dessa região do Sul do País, onde cresce, cada vez mais, o número de agricultores adeptos e interessados.

Por lá, mais de 500 hectares de terras cultiváveis já adotam essa tecnologia, com destaque para o município de Caxambu do Sul (SC), que utiliza o terraceamento em cerca de 200 hectares.

Em uma propriedade rural da cidade, que foi transformada em Unidade de Referência Técnica (URT), essa técnica mostrou todo seu potencial nas chuvas de 11 de maio deste ano, quando ocorreu um acumulado de mais de cem milímetros de água, em menos de dez horas.

Enquanto outras lavouras de Caxambu do Sul sofreram grandes prejuízos com a erosão, na propriedade da família Golin, a água ficou retida nos terraços da pastagem e, horas depois, já tinha sido absorvida pelo solo.

Técnica usada desde os anos 70

Os terraços já foram considerados símbolos da agricultura ultrapassada. Construídos entre as décadas de 1970 e 1990, como única prática de conservação do solo, eles acabaram sendo desmontados porque dificultavam a operação das máquinas nas lavouras.

“Nas décadas de 1980 e 1990, a Epagri fez um trabalho pioneiro em Santa Catarina e, aqui, na região [de Caxambu do Sul]. Mas com o advento do plantio direto, a prática do terraceamento foi abandonada”, comenta o agrônomo Juliano Garcez, extensionista da estatal nesse município.

Vista aérea de propriedade rural em Caxambu do Sul (SC), que foi transformada em Unidade de Referência Técnica (URT). Foto: Divulgação Epagri

Segundo o especialista, “acreditava-se que o plantio direto, com a manutenção da palhada das lavouras sobre o solo, seria suficiente para controlar a erosão”, mas não foi exatamente isso que ocorreu nos últimos 20 anos, nas lavouras do Sul do Brasil.

“A falta de qualidade do plantio direto praticado – resultante da baixa cobertura do solo com palha –, a falta de rotação de culturas e o manejo inadequado de máquinas e animais em sistemas integrados de produção provocaram o aparecimento da camada compactada, a diminuição da infiltração e o consequente aumento do escoamento de água sobre a superfície do solo, fazendo ressuscitar a erosão nas lavouras”, relata Garcez.

Desde 2014, pesquisadores, extensionistas e agentes de assistência técnica da Região Sul alertam sobre esse cenário. No Paraná e no Rio Grande do Sul, foram implantadas políticas públicas para enfrentar, novamente, a erosão. Em Santa Catarina, a mobilização está iniciando com ações da Epagri, apoiada por cooperativas e pela Embrapa.

Passo-a-passo

Nova metodologia

Depois de serem considerados ultrapassados, agora, os terraços retornam a partir de uma nova concepção de demarcação, construção e manutenção. “O terraço é uma obra de engenharia agrícola que pode permanecer na lavoura por até 20 anos”, diz Garcez.

Metodologia introduzida pela Epagri, o “Terraço for Windows” foi desenvolvido pelo professor Fernando Pruski, da Universidade Federal de Viçosa (UFV), além de ter sido testado e aprovado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e pela Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Rio Grande do Sul (Emater-RS), em lavouras do município de Pontão (RS).

De acordo com a Epagri, essa metodologia leva em conta as maiores chuvas da região, a capacidade de infiltração de água e a inclinação dos solos da propriedade agrícola. Dessa forma, os terraços podem ser construídos bem mais espaçados do que no sistema antigo.

Água que faz diferença

Terraços são construídos em nível, de modo a concentrar toda a água da chuva dentro da lavoura. Foto: Divulgação Epagri

Os terraços são construídos em nível, de modo a concentrar toda a água da chuva dentro da lavoura. Essa água se infiltra e parte dela vai para o lençol freático para abastecer os mananciais. Outra parte fica armazenada no próprio solo para atender à demanda das culturas.

O tamanho do camalhão (crista de terra) é calculado para que cada metro linear de terraço seja capaz de receber até dois mil litros de água, em média. “Essa água fica armazenada no solo. Cerca de 30% dela as plantas são capazes de usar em épocas de estiagem”, destaca o agrônomo Juliano Garcez.

Segundo extensionista, é no período de seca que se percebe o efeito dessa técnica na produtividade. Lavouras de soja com terraceamento na região de Passo Fundo (RS), onde a prática foi validada, por exemplo, foram produzidas 50 sacas por hectare na safra 2013/14, em uma temporada marcada por estiagem. Na mesma região, lavouras sem terraceamento produziram, em média, 30 sacas por hectare.

Plantio direto e economia de adubo

Outra vantagem dessa metodologia é a economia de adubo, considerando que os terraços evitam que a água escoe pela lavoura, carregando adubo e matéria orgânica. Nas propriedades onde o sistema está consolidado, os nutrientes ficam seis vezes mais concentrados no solo.

Conforme Garcez, construir terraços, no entanto, não significa abandonar o plantio direto, pelo contrário: “É fundamental ter, em cada propriedade, um plano de manejo conservacionista no qual sejam planejados os terraços e o sistema de produção com rotação de culturas, prevendo manter a cobertura permanente do solo”.

“Esse planejamento de culturas deve garantir em torno de 12 quilos de palha por metro quadrado por ano e raízes para absorver a água do solo”, ressalta o especialista, acrescentando que a cobertura do solo permite reter 25 milímetros a mais de chuva em relação ao solo descoberto.

Pesquisador da Epagri no Centro de Pesquisas para a Agricultura Familiar (Cepaf), em Chapecó (SC), o engenheiro agrônomo Leandro do Prado Wildner explica que a cobertura do solo é eficiente para eliminar a erosão causada pela chuva, mas não é tão eficiente para controlar a erosão causada pelo escoamento da água sobre o solo.

“Por isso, devemos associar sempre o plantio direto com o uso dos terraços ou práticas semelhantes”, reforça o especialista.

Referência em SC

Da esquerda para direita: Jaime Golin, agricultor e dono da URT, com seu filho, André Golin; Ivanor Sfredo e Juliano Garcez, ambos extensionistas da Epagri em Caxambu do Sul. Foto: Divulgação Epagri

A Unidade de Referência Técnica (URT) de Terraceamento da propriedade da família Golin, em Caxambu do Sul, resulta de uma parceria entre a Epagri, a Embrapa Trigo, a Secretaria de Agricultura do município e a Cooperativa Alfa. Ela foi implantada em março deste ano, durante o 1º Seminário Microrregional de Desenvolvimento Rural Sustentável, que tratou sobre Terraceamento por Volume de Enxurrada.

Nessa área, a família pratica o sistema de Integração Lavoura-Pecuária (ILP): pastagem de aveia no inverno e lavoura de grãos no verão. Por conta dessa iniciativa, a experiência de Caxambu do Sul virou referência para agricultores da região, que estão demandando informações e assistência técnica sobre terraceamento para aplicar em suas propriedades.

A URT vem sendo acompanhada pela Epagri com análises químicas e físicas do solo, além de outras avaliações. As informações coletadas servirão de referência para recomendar o terraceamento para outros agricultores.

“Essa experiência representa o que queremos fazer em uma URT, ou seja, a integração de extensionistas rurais, pesquisadores, agentes da assistência técnica e agricultores em torno de um tema comum e na busca de soluções”, destaca o engenheiro agrônomo Leandro Wildner.