Agrotóxicos registrados têm pouca inovação

Antes da crise das queimadas, o governo vinha enfrentando outro fogo cruzado: as críticas sobre o avanço do registro de agrotóxicos. Como parte da estratégia de defesa, o Ministério da Agricultura sustentava que a celeridade do processo – que avançou na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ligada ao Ministério da Saúde – permitiria a entrada no mercado de produtos mais modernos e, por isso, menos tóxicos. Porém, dados da Pasta de Tereza Cristina mostram que o perfil de toxidade dos produtos aprovados neste ano para aplicação nas lavouras está dentro da média da última década e que, nesse período, pouco diminuiu o peso dos produtos de maior risco potencial à saúde e ao meio-ambiente.

De 2009 a julho deste ano, foram concedidos 1.238 registros de produtos que podem ser aplicados no campo. Esse grupo inclui os químicos “formulados” e os biológicos (que podem ser usados na agricultura orgânica ou convencional) – e exclui os “técnicos” e genéricos, para uso da indústria nas formulações.

No grupo, 47% dos produtos foram classificados pela Anvisa como “extremamente” ou “altamente” tóxicos, o que os obriga a ter tarjas vermelhas nos rótulos. Além disso, 47% foram classificados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) como “altamente” ou “muito” perigosos ao ambiente. Os dados foram levantados pelo Valor no Agrofit, banco de dados do ministério sobre o perfil de toxidade e ecotoxicidade dos registros de formulados e biológicos.

No caso do perfil toxicológico, os dados ainda observam critérios anteriores às mudanças anunciadas em agosto. Até então, a classificação de toxidade para a saúde humana levava em consideração risco de reações agudas na pele, olho e mucosas ao contato direto.

A classificação do Ibama sobre ecotoxicidade é resultado de uma fórmula que leva em conta o quanto o agrotóxico é transportado em ar, solo e água; o quanto permanece na água e no solo; e o quanto permanece em peixes, organismos do solo, abelhas, aves, plantas e mamíferos.

Os dados de 2019 mostram que o perfil dos produtos registrados não foge da média em dez anos: dos 126 produtos químicos “formulados” e biológicos para uso no campo, 43% se encaixam nos dois piores padrões de toxidade e 47% nos dois níveis mais perigosos ao ambiente.

Mesmo na última década, o que se percebe é uma evolução pouco clara e intercalada por períodos de piora e melhora. A parcela dos produtos dentro dos dois piores níveis de toxidade à saúde estava em 58% em 2009 e caiu para 35% em 2015, mas voltou a subir desde então. Já a fatia dos registros de produtos dentro dos dois patamares de classificação de maior perigo ao meio ambiente saiu de 60%, em 2009, para 32% em 2015, mas voltou a crescer para a faixa de 47% desde 2017.

Segundo José Guilherme Leal, secretário de Defesa Agropecuária do ministério, os níveis de toxidade à saúde e ao ambiente não estão recuando porque a maior parte dos registros atuais, em meio à aceleração das aprovações, é de produtos genéricos, e não de produtos com novas moléculas. “Foi cumprido bem o papel de aumentar a disponibilidade de genéricos. Agora, queremos incluir mais produtos novos. E a média do que vem sendo submetida é mais favorável à questão ambiental e de saúde pública”, afirma o secretário.

Dos 262 novos registros deste ano, apenas oito contêm duas novas moléculas: o florpirauxifen-benzil (ingrediente de um produto técnico da Dow, autorizado apenas para uso da indústria) e o sulfoxaflor (ingrediente de seis produtos formulados autorizados, todos da Dow). Os produtos à base de sulfoxaflor foram classificados como “medianamente tóxicos” pela Anvisa e como “perigosos ao meio ambiente” pelo Ibama.

Na opinião da Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef), que representa as indústrias que pesquisam novas moléculas, os dados dos últimos dez anos mostram, sim, uma “tendência” de redução da toxidade. “Houve altos e baixos, mas a tendência é de redução dos produtos com essas características”, diz Mario Von Zuben, diretor executivo da Andef. Mesmo assim, Zuben defende que “é importante que novas moléculas cheguem ao mercado e tragam mais segurança”. Segundo ele, os produtos mais modernos têm atuações mais específicas e permitem eficácia maior.

Representante de todas as empresas do setor, inclusive as que trabalham apenas com genéricos, o Sindicato das Indústrias de Produtos de Defesa Vegetal (Sindiveg) defende que a aprovação já garante a segurança do produto. “Se passou pelos crivos do Ibama e da Anvisa, é porque é seguro usar, tanto para aplicador, como para quem consome”, sustenta Andreza Martinez, gerente regulatória da entidade.

A segurança, porém, é contestada por órgãos de defesa do consumidor. “Muitas vezes se descobre que o produto pode provocar câncer depois de um tempo autorizado, porque o conhecimento vai se acumulando”, diz Luiz Cláudio Meirelles, que já foi responsável pela área de toxicologia da Anvisa e atualmente integra o grupo temático Saúde e Ambiente da ONG Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).

“Na época da discussão do PL do Veneno [PL 6299/02], um dos argumentos era que os agrotóxicos precisavam ser modernizados. Mas, na aprovação de 22 de julho, 41% dos produtos eram altamente ou extremamente tóxicos. O discurso de que mais velocidade significa mais respeito à saúde da população não se concretizou”, critica Iran Magno, da campanha de Agricultura e Alimentação do Greenpeace Brasil.

O aumento da velocidade das aprovações também não significou que todos os registros são de produtos inovadores. Dos 262 registros concedidos este ano, metade (128) são formulações diferentes feitas de apenas 17 moléculas. O ingrediente ativo mais popular em 2019 é o glufosinato de amônio, que serviu de base para o registro de 14 produtos, todos de uso exclusivo da indústria. O segundo mais popular neste ano é o 2,4-D, base para oito produtos formulados (de uso em campo), todos classificados como “extremamente” tóxicos à saúde e “perigosos” ao ambiente.

A entrada de mais produtos no mercado também não significa um aumento igual da concorrência. Os três produtos formulados com abamectina aprovados neste ano pertencem a apenas uma empresa: a Syngenta. Dos oito formulados à base de 2,4-D, quatro são da Dow. Muitas vezes, um produto ganha mais de um registro porque o pedido foi feito por importadores diferentes.

Apesar das críticas à celeridade, a gerente do Sindiveg argumenta que a fila de produtos à espera de avaliação ainda é alta. Segundo a Andef, há 32 produtos com novos ingredientes ativos à espera de avaliação, dos quais 28 têm aprovação em ao menos um dos seguintes mercados: EUA, Canadá, Austrália, Japão, Argentina e União Europeia.