Preço da carne: Brasil precisa repensar margens de lucro do varejo

O preço da carne bovina no Brasil – maior exportador mundial do setor – não deve cair. Ao contrário. A tendência é que ela fique ainda mais cara. Esse movimento não é resultado apenas de fatores inerentes à pecuária de corte e ao mercado internacional, mas também está relacionado às margens de lucro do varejo brasileiro, bem acima, por exemplo, das praticadas nos Estados Unidos.

A avaliação é do médico veterinário Sebastião Guedes, presidente da Câmara Setorial da Carne Bovina do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), vice-presidente de Relações Internacionais e Coordenação da Cadeia Produtiva do Conselho Nacional de Pecuária da Corte (CNPC) e um dos maiores especialistas brasileiros da cadeia de pecuária de corte.

“A tendência é que o preço da carne bovina não tenha queda no curto e no médio prazos. Quando aumenta muito a demanda internacional, os preços tendem a subir”, enfatiza Guedes. No momento, assinala, a acentuada desvalorização do real frente ao dólar também impulsiona as exportações, pressionando a oferta interna.

“A carne bovina está mais cara e deve ficar mais cara”, diz Guedes, fazendo coro à ministra da Agricultura, Tereza Cristina. “Agora, o Brasil deve repensar as margens na distribuição da carne. Há anos, eu presidia o CNPC, e os industriais me diziam que o comércio ficava com a parte do leão no negócio da carne. Acredito que continue. Isso se melhora com concorrência. Nos Estados Unidos, leio na imprensa, a margem do comércio é 10%. Aqui, chega a ser o dobro. Se produto custa 50, vendem por 100.”

Demanda da China e ampliação de mercados

A forte demanda da China por carne – não só de gado – “deve durar de um ano e meio a dois anos, até o país asiático reestruturar a sua produção de suínos, algo muito importante para suas propriedades de pequeno porte”, ressalta Guedes, ao apontar uma das principais causas da alta do produto no mercado brasileiro.

Além do apetite chinês, o expressivo abate de matrizes no Brasil, a falta de animais prontos para abate, a entressafra, a seca na Austrália nos últimos anos e o abandono da atividade por pecuaristas argentinos por causa do imposto sobre as vendas externas (ambos os países são exportadores de carne) também contribuem para a alta da carne no mercado brasileiro.

“No Brasil, muitos pecuaristas também trocaram a atividade pelo plantio de soja”, observa o presidente da Câmara Setorial da Carne Bovina do Mapa. Esse somatório de fatores, acrescenta o médico veterinário, fizeram com que a pecuária brasileira tivesse “este momento de crise de escassez” no segundo semestre.

A recente habilitação de novos frigoríficos para exportar carne para a Arábia Saudita, a ampliação das compras do produto pela Rússia e a abertura de novos mercados, como a Indonésia, igualmente elevaram à procura pelo mercado brasileiro.

Planejamento, sustentabilidade e sustentabilidade

Para Guedes, é preciso mais racionalidade no planejamento da pecuária de corte no Brasil. “E também devemos ampliar a oferta de carne gourmet, de cruzamento com raças europeias, para atender melhores demandas do mercado externo e o envelhecimento da população brasileira, principalmente das classes média e média alta, que exigirão carnes mais macias, tenras.”

Quando a China desacelerar a demanda, o mercado voltará a ser normalizar, mas o Brasil não pode esquecer das suas prioridades, pontua Guedes.  “Temos que cuidar de recuperação de pastagens, melhorar a imagem da sustentabilidade da nossa pecuária e dizer a verdade sobre os gases do efeito estufa, que não são o grande problema do setor.”

Outra prioridade, sublinha o presidente da Câmara Setorial da Carne Bovina do Mapa, é sanidade animal. “Temos que cuidar dessa questão. Um ponto que causa grande preocupação no momento é o futuro do antimicrobianos. Sem eles, não temos alta produção de proteína animal. Agora, precisamos racionalizar e discutir esse uso com base em criteriosas proposições.”